12.3.11

Rebocar e lapidar

Celso de Almeida Jr.


Publicado no jornal A Cidade - Coluna Política & Políticos
Ubatuba-SP, 05 de fevereiro de 2000


Nada é tão claro como a brevidade de nossa existência.
Podemos concentrar toda a energia em picuinhas, pequenas vinganças, pressões psicológicas ou libertar de vez o pensamento para tentar agir com aquela grandeza construtiva típica dos homens iluminados.
O tempo é muito curto.
Valorizá-lo com gestos nobres transformam nossas vidas para melhor.
O querido Papa João XXIII exclamou com a cristalina pureza que o caracterizou: 
"A bondade tornou feliz minha vida."
Mas bons exemplos também podem ser extraídos todos os dias quando observamos as ações dos construtores, dos pedreiros e seus serventes, aqueles que somam areia, cal e cimento e dão vida nova à paredes irregulares.
Você já percebeu como é interessante a arte de rebocar?
Aplicando argamassa com capricho sobre blocos ou tijolos temos um resultado que é um colírio para os olhos mais exigentes.
É como uma máscara lindíssima sobre um rosto sofrido.
É como uma cirurgia plástica bem sucedida.
É vida nova!
Nossa mente foi treinada para o belo, para o bem acabado, para o visual equilibrado e uniforme.
Daí a satisfação quando o revestimento bem feito esconde a frieza da alvenaria.
O que dizer então da arte da lapidação?
Ao talhar a pedra bruta, aparar suas arestas, buscar o polimento, o homem expressa seu talento e sua mais íntima sensibilidade.
Mas tudo é muito relativo.
Dependendo da abertura do compasso, as coisas podem ser vistas por ângulos pouco conhecidos.
Ao rebocar pode-se, propositalmente, esconder uma estrutura frágil.
Um miolo fraco, uma construção firmada no pântano da ambição cujo único disfarce será o reboco bem feito.
Nesse caso tem-se a clássica frase para aplicação imediata:
"Por fora bela viola, por dentro pão bolorento."
Na lapidação não é diferente.
Uma pedra falsa, quando bem polida, pode enganar aos mais inocentes.
E, dependendo da preguiça de quem lapida, uma boa oferta pode acelerar o preparo da pedra, gerando assim, descuido no aparo das arestas mais irregulares.
E o resultado final pode decepcionar.
O que pretendo ressaltar é que quando as coisas são feitas no tempo certo, da forma certa, imbuídas dos mais sérios princípios de valorização do homem e da coletividade, os frutos, certamente, serão belos e protegerão sementes que perpetuarão as boas ações.
O contrário, as decisões imediatistas, calcadas na preocupação de ostentar poder e riqueza, subjugando pessoas e sentimentos, não vingam e não geram construção.
Há entretanto, ao longo do caminho, a possibilidade de realmente crescer, arejando a mente, dando brilho aos gestos.
A dica de Omar Khayyam, que me foi ensinada por Nadim Kayat, pode ser útil quando se chega neste estágio:
"Se aspiras a paz definitiva, sorri ao Destino que te fere; não firas a ninguém."
Ainda lembrando Nadim, na próxima quarta-feira, dia 9, se estivesse entre nós, estaria completando mais um aniversário.
Tive a felicidade de conviver com o experiente político num período importante de minha vida.
Seus comentários, suas vivências, sua firmeza e autenticidade geraram bons exemplos que guardo em meu pensamento com a mais sincera gratidão.
Ao aproximar-me de Nadim, buscava encontrar incentivo e amparo para minhas ideias sobre política.
No fundo eu queria ser ouvido, encontrar espaço.
Na época, não tive sucesso junto aos tradicionais políticos da cidade.
Afinal, eu era um jovem muito chato e questionador.
Nadim, com a habilidade típica dos descendentes árabes, encantou-me com seu discurso e conduta, divertindo-me também, graças ao seu temperamento incorrigivelmente quente.
Aprendi bastante.
Mas entrei em cada confusão...
O saldo final foi muito positivo.
Quando percebi, estava por dentro da política e dos políticos.
Comecei a entender as regras do jogo, a discernir entre o certo e o errado, a perceber a hora correta de avançar, recuar e até sair de cena, quando nitidamente os fatos políticos apontam para a implosão e não para a união.
Foi uma escola para a vida.
Hoje, ao assinar a coluna que por tantos anos Nadim Kayat escreveu com admirável estilo e competência, espero estar mantendo a chama acesa.
É minha particular homenagem ao saudoso amigo.

Quem sabe
Carlos Gomes / Francisco Bittencourt
Meninas dos Canarinhos de Petrópolis